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Arquivo da Categoria ‘Polêmicas’

Polêmica: Sem açúcar e sem afeto

Por Rachel Lima

4º. capítulo da novela: No último sábado, a resposta de Gümbrecht à tréplica de Andrea Daher , publicado no Prosa e Verso, trouxe novos esforços de conciliação da parte do teórico alemão (leia aqui). Como já disse, não li o livro Produção de presença e não vou entrar em discussões conceituais. No entanto, a questão da amizade mais uma vez retorna ao debate. O ponto por mim destacado da resposta de Daher no último post sobre essa polêmica – a sua perceptível convicção de que crítica e amizade não podem caminhar juntas – é colocado em cena por Gümbrecht, que renega qualquer associação de suas práticas intelectuais com a visão pejorativa que o termo cordialidade assume em nossa cultura. Tentando ser bem humorado (com menos veneno que Daher, mas não sem uma ponta de ironia), ele acaba seu texto convidando a resenhista para um café (ou um drink) para poderem dar sequência à conversa. Mas será que ele, que já tem tantos, ainda precisa de mais amigos? Não seria hora de se perceber que as incompreensões sempre vão acontecer e que o melhor mesmo talvez tivesse sido digerir sozinho o café amargo da primeira crítica de Daher?

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16 de março de 2011


Polêmica: Produção de presença

Por Rachel Lima

Andrea Daher apresenta no caderno Prosa e Verso, do jornal O Globo, no sábado passado, sua tréplica à resposta de Hans Ulrich Gumbrecht à resenha de seu último livro. Como não li a obra, não há como discutir com o mínimo de seriedade o teor das críticas presentes no embate entre resenhista e resenhado. Mas, já que os textos publicados até agora tocam em um ponto sobre o qual venho tentando refletir, resolvi, além de fazer a divulgação dessa polêmica, utilizá-la para discorrer brevemente sobre nossas práticas intelectuais.

Pra começo de conversa, quero reafirmar que as polêmicas, cada vez mais raras no campo da literatura, cumprem um papel fundamental de estímulo ao debate de ideias.  No entanto, não deixo de achar estranho, justamente por considerar que o processo de significação é infinito e inevitavelmente imperfeito e parcial (tema que também é tratado nos textos publicados pelos nomes aqui em confronto), que uma resenha seja respondida pelo autor resenhado. Posso estar enganada, mas sempre que isso ocorre parece-me ser reforçada a tendência à produção dos comentários insossos e anódinos das resenhas publicadas nos suplementos literários e culturais, que, na maior parte das vezes, limitam-se a fazer a publicidade da obra, fugindo de um esforço efetivamente crítico.

A resenha de Daher nega esse padrão e talvez seja justamente por conviver com essa característica de nosso sistema intelectual que ela tenha se sentido incomodada com os dispositivos discursivos utilizados por Gumbrecht para produzir o que ela chama de “efeito de teoria” em seu livro. Dentre eles, destaco aqui o dispositivo de “autorização relacional”, inerente a uma “crítica empática”, que congrega tanto os amigos citados quanto os virtuais amigos leitores (especialmente os brasileiros), e que se traduz também na “intuição” explicitada pelo autor de estar a expor uma “fábula geracional”, que autorizaria o tom confessional por ele adotado.

Fico a me perguntar, no entanto, se a condenação das marcas subjetivas do autor em “Produção de presença” por Daher, para além do julgamento da consistência teórica da obra, não acaba por reafirmar o “topos” da inviabilidade da relação entre crítica e amizade e, até mesmo, entre produção teórica e exposição do sujeito. Alguns sinais presentes nos dois textos da resenhista me levam a essa hipótese. Em primeiro lugar, ela afirma em sua resenha que a referência aos amigos no livro de Gumbrecht visaria garantir “o vigor de sua própria presença no Brasil e a fortuna de seus usos críticos empáticos”. Ok, isso até pode ser verdade, mas não se encontra na sua crítica um argumento que fundamente essa sua afirmação. Além disso, em sua tréplica, Daher faz referência à incompatibilidade da posição filosófica de Gilles Deleuze com a lógica da amizade e faz questão de frisar que a utilização das ideias de Michel Serres acerca das noções de sentido/significação independem de uma relação de amizade com o filósofo, a quem conhece e de quem é tradutora.

Considerando-se a defesa que entrevi nos textos de Daher da necessidade de se aferir conceitual e historicamente a validade de uma teoria, será que seria coerente a utilização de aspectos biográficos em sua avaliação?  Nesse sentido, ainda que eu discorde da conveniência da réplica do autor resenhado, considero bastante pertinentes os seus questionamentos ao fato de que a desqualificação de seu estilo acadêmico (que talvez se possa ver como bastante cronístico) e a inferência de que ele seria decorrente do trânsito de Gumbrecht entre a Califórnia e o Brasil não se façam acompanhar da necessária transformação de sua impressão em argumento para avaliar as ideias desenvolvidas no livro.

Bem, não vou transformar o post num ensaio, mas gostaria de ressaltar que eu, particularmente, não considero os usos de dados biográficos em si um mal, muito pelo contrário. Apenas o questiono aqui porque me pareceu que o que Andrea Daher quer atacar é justamente esse nó, no qual a produção de presença vai de par com a construção de uma teoria que não se sustenta em sua argumentação filosófica. Só queria evidenciar que o critério que serve para julgar o texto resenhado deve servir também para avaliar o do resenhista.

Tampouco sou contra o uso retórico dos artifícios da crônica do cotidiano. Menos ainda da associação entre crítica e amizade, assunto que certamente vai ser objeto de outros posts aqui no Observatório. Mas do que não gosto mesmo é da recorrência à ironia. Apesar de essa figura poder ser percebida como estratégica para fazer frente ao marasmo da nossa cena intelectual, penso que ela, sim, tem servido prioritariamente para a “produção de presença”, no sentido pejorativo que Andrea Daher constrói em seu texto. No meu modo de ver, o uso desse recurso é incapaz de fazer avançar o diálogo, aqui entendido como um processo que também pressupõe a distância e a diferença, mesmo quando se está entre amigos. (íntegra da tréplica aqui)

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9 de março de 2011


Réplica: Gumbrecht responde a críticas da resenha de Andrea Daher, no caderno Prosa e Verso

Por Rachel Lima

Hans Ulrich Gumbrecht, teórico alemão bastante conhecido no Brasil, onde frequentemente ministra cursos e participa de eventos, responde às críticas dirigidas por Andrea Daher ao seu livro Produção de presença, no caderno Prosa e Verso, publicadas no jornal O Globo do sábado passado. Seu texto traz considerações importantes para se pensar a forma como se constroem as relações entre o crítico e o criticado no espaço público. O teórico afirma não negar o direito da resenhista ao seu julgamento, mas, por outro lado, apresenta contra-argumentos às críticas a ele endereçadas. Justifica seu interesse em apresentar os “equívocos” de Daher pela possibilidade de esclarecer ao leitor do jornal acerca do que considera ser o objeto de estudo das humanidades e das artes. E, ainda, pela necessidade de defender-se da acusação de que seu livro apresentaria um estilo pouco acadêmico, dado o viés personalista percebido no livro. Exemplos: a referência a certos autores por ele citados como amigos e o fato de a capa do livro reproduzir a foto de seu autor. O Observatório disponibiliza a resenha de Daher (aqui) e a réplica de Gumbrecht (aqui) para que vocês leiam, tirem suas próprias conclusões e dividam conosco seus comentários.

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26 de fevereiro de 2011


Polêmica 2010 – Os necrológios de Wilson Martins

Por Paula Augusto

No dia 30 de janeiro de 2010 o escritor e crítico literário Wilson Martins morreu aos 88 anos, gerando uma série de necrológios produzidos por alguns intelectuais brasileiros – o jornal Rascunho dedicou uma sessão em março de 2010 para que Rodrigo Gurgel, Miguel Sanches Neto, Alcir Pécora, André Seffrin, Luiz Antonio de Assis Brasil e Sérgio Rodrigues escrevessem sobre o crítico falecido. A polêmica começou quando a crítica literária Flora Süssekind, adepta dos estudos culturais, revoltou-se contra a aclamação dos críticos ao conservador Wilson Martins. A querela teve tanta repercussão que alguns alunos de Letras da USP montaram até um guia no twitter para coordená-la.

Wilson Martins era considerado e se considerava o último crítico formado na tradição francesa a exercer o que se convencionou chamar crítica de rodapé. Süssekind, contra essa tradição, em seu texto “A crítica como papel de bala”, considera que os necrológios publicados evidenciam “o apequenamento e a perda de conteúdo significativo da discussão crítica, assim como da dimensão social da literatura no país nas últimas décadas”, além de “um conservadorismo que é francamente hegemônico”. Segundo a crítica, os necrológios, “que figuram o colunista [Wilson Martins] como um injustiçado, como uma espécie de herói solitário na pontualidade de suas resenhas semanais”, sinalizam “uma redução do potencial de dissenso” e “a perda de lugar social da crítica”. Isso porque “formas dissentâneas de percepção, como a crítica, se mostram particularmente incômodas”, enquanto “formas personalistas e estabilizadoras, ao contrário, se esvaziadas, parecem continuar benvindas” – caso dos necrológios, para a autora. Süssekind critica, ainda, veementemente, a união entre o mercado editorial e o exercício crítico que funciona como guia de consumo e busca de prestígio.

Em um ponto do texto Süssekind afirma que, para que a crítica mantenha ainda um espaço relevante, talvez fosse necessário matar Wilson Martins mais uma vez e não louvá-lo como modelo a ser seguido. Já que, para ela, “sua transformação em imago exemplar parece expor inequívoca vontade de retorno a algo próximo à tradição das Belas Letras, a um regime estável e hierarquizado de vozes e gêneros, a regras fixas de apreciação e prática textual, a um apagamento de novos espaços de legibilidade, espaços ainda não demarcados ou nomeados, e sugeridos por formas de compreensão expansivas, e não exclusivas, do campo da literatura” (Texto na íntegra aqui).

Percebemos até aqui uma cisão de linhas teóricas. Delineia-se a dicotomia estudos culturais X estudos literários, que torna a aparecer na resposta de Sérgio Rodrigues a Flora Süssekind, em seu texto “A crítica de mal com a literatura”. Para Rodrigues, “a crítica universitária de fôlego que ela própria [Süssekind] representa, retirou-se do debate porque quis. (…) Süssekind, reconheça-se logo, está de mal com a literatura contemporânea”. E essa postura, segundo ele, advém da hegemonia dos estudos culturais, pois “tal predominância transformou em truísmo a ideia de que a literatura como a conhecemos é apenas um instrumento de dominação de classe”. O escritor coloca Wilson Martins como resistente, afinal “nunca desistiu do que há de propriamente literário na literatura” (Texto na íntegra aqui).

O texto de Süssekind gerou outras réplicas, além dessa, como a de Affonso Romano de Sant’anna, que em vez de discutir a obra de Martins ou a situação da crítica e da literatura, parte para ofensas pessoais e finaliza um de seus textos assim: “Wilson Martins morto é mais útil e fecundo do que Flora Sussekind viva”. Luis Dolhnikoff, em seu texto “Flora Süssekind avalia o decaído campo literário”, defende a crítica e afirma que Romano “mergulha diretamente no ridículo”. Para Dolhnikoff, Süssekind realiza um diagnóstico claro da situação atual da crítica e da literatura.

Nós, do Observatório da Crítica, selecionamos, até agora, 12 textos que consideramos mais significativos sobre essa polêmica. Acompanhe aqui o desenrolar desse embate e escolha seu lado. Agradecemos, desde já, futuras contribuições de vocês, leitores do blog.

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19 de fevereiro de 2011


Polêmica 2010 – A cisão no clã do Jabuti

Por Rachel Lima

Certamente, essa foi a polêmica que mais animou os debates nos jornais, revistas, blogs e redes sociais na internet, em 2010. O prêmio Jabuti concedido ao romance Leite derramado, de Chico Buarque, foi questionado publicamente, não apenas pelo valor literário da obra vencedora na categoria Livro de Ficção do ano de 2010, mas também pela suspeita de ter sido ela escolhida em função das posições políticas assumidas por seu autor, especialmente durante a campanha às eleições presidenciais. A celeuma, como não poderia deixar de ser, começa com as acusações de Reinaldo Azevedo, conhecido polemista da revista Veja, que, em seu blog, dá início, a partir de 05 de novembro de 2010, a uma verdadeira cruzada contra a decisão da Câmara Brasileira do Livro. O fato é que o júri especializado deu o primeiro lugar à categoria Romance ao livro de Edney Silvestre, Se eu fechar os olhos agora, mas, segundo o regulamento, a escolha do livro do Ano ficava a cargo dos representantes da CBL, que preferiram premiar a obra de Chico. Nas ácidas e irônicas críticas de Azevedo, sobram farpas para todo lado. Seus ataques são dirigidos aos membros da CBL, que estariam sujeitos à mitificação da figura de Chico Buarque e à lógica midiática incorporada pelo seu editor, Luís Schwarz, da Companhia das Letras, à turma de adeptos da presidente eleita, Dilma Roussef, que, na entrega do prêmio, chegou a entoar o “olê, olê, olê, olá, Dil-má, Dil-má”, a Maria Rita Khel, que, durante a campanha à Presidência da República, havia sido demitida do jornal O Estado de S. Paulo por ter escrito um artigo favorável à candidata petista, etc.

A polêmica deu mesmo pano para manga. O presidente do Grupo Editorial Record, Sérgio Machado, que publicou a obra de Edney Silvestre, resolveu anunciar em carta sua saída do concurso, alegando que “a premiação foi pautada por critérios políticos, sejam da grande política nacional, sejam da pequena política do setor livreiro editorial”. Seguiu-se à carta uma troca de manifestos produzidos por ele e pelo presidente da Editora Companhia das Letras. Os jornais saem à cata de depoimentos, que vão de escritores anteriormente vítimas do mesmo sistema de premiação do Jabuti ao “enfant terrible” Marcelo Mirisola. Um leitor de Azevedo publica na internet a petição “Chico, devolve o Jabuti!” e, como esperado, conta com o apoio entusiasmado do comentarista da Veja e com a adesão de milhares de internautas. Em contrapartida, é lançada outra petição – “Chico, fique com o seu Jabuti” –, que também mobiliza os fãs do autor de Leite derramado.  Mas, se na política partidária, cada voto só pode ser contabilizado uma vez, a “guerra das petições” que se travou na rede coloca a nu, entretanto, a impossibilidade de se pensar numa democracia representativa na rede, pois várias das assinaturas constantes na lista a favor da devolução do prêmio por Chico Buarque eram falsas. E aí, pra encompridar um pouco mais a querela, entra em cena Caetano Veloso, um dos nomes falsos presentes na lista anti-Jabuti-para-o-Chico, que, em sua coluna do jornal O Globo, volta suas críticas para a covarde utilização de pseudônimos alheios na internet e para a mesquinharia das reações que visariam atingir o compositor e escritor Chico Buarque, lançando mão de uma espécie de oportunismo político, que já vinha desde a campanha para a Presidência. Talvez para tentar provar que não se tratava apenas disso, Reinaldo Azevedo ainda vem à carga para fazer uma espécie de close reading de alguns fragmentos da obra musical e literária de Chico, visando desqualificá-lo tanto como compositor quanto como escritor. E até mesmo Shakespeare, um dos autores a quem, segundo Azevedo, Chico deveria alguns de seus poucos belos versos, é conclamado para servir de argumento contra o prêmio por ele recebido.

Caberia ao blog de Luís Nassif, por sua vez, centrar o foco nas relações espúrias mantidas entre a revista Veja, na qual o blog de Azevedo fazia retumbar a campanha anti-Chico, e a Editora Record, denunciando o pacto que garantia aos livros de jornalistas da grande mídia, como Mário Sabino, Merval Pereira, Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi, um esquema milionário de divulgação bancado pela Record, a quem se retribuía com a publicação de resenhas favoráveis à turma nas páginas da revista de maior circulação no País.

Segundo o editor do caderno Ilustríssima, da Folha de S. Paulo, a querela do Jabuti reacendeu o clima ideológico dos anos 1960, e nela estariam em jogo não apenas contendas editoriais, que já vinham de longa data, mas também a disputa pelo prestígio e, principalmente, “a recente politização da cultura no país, travada pela militância na internet”.

A polêmica, como se vê, teve o mérito de expor alguns dos muitos fatores que intervêm no processo de atribuição do valor literário, questionando o dogma da autonomia da arte e abalando o sistema de crenças, considerado por alguns como fundamental para a justificação do papel cumprido pela literatura e pela crítica literária na sociedade moderna. Os discursos produzidos a respeito certamente oferecem material para amplas análises do campo literário e intelectual brasileiro, o que, evidentemente, não vai ser feito no curto espaço destinado ao post de nosso blog. Do mar de opiniões publicadas a respeito, o Observatório da Crítica selecionou para publicação, até o momento, 44 textos, que consideramos mais significativos, e que podem ser consultados aqui. Evidentemente, agradeceremos aos leitores do blog que nos indicarem outras manifestações consideradas relevantes. Todos os textos foram ordenados cronologicamente, de modo a proporcionar àqueles que quiserem se debruçar sobre o assunto uma visão linear dos lances desse jogo que, pelo visto, ainda está longe de terminar. Haja vista a polêmica que agora se centra na relação entre as recentes ações de Ana de Hollanda, irmã de Chico Buarque e atual Ministra da Cultura, no campo dos direitos autorais, e os interesses da elite da classe artística brasileira. Mas esta está apenas começando…

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18 de fevereiro de 2011